(artigo de Graciela P. Santos, índia Guarani de 20 anos,
publicado no jornal Dourados Agora, em 29/junho/2006)
Quando falam sobre nós geralmente pensam em uma época distante, no tempo em que os europeus chegaram ao continente americano e os portugueses ao Brasil. É como se nós não fizéssemos parte do presente, estivéssemos aprisionados no passado mais remoto.
A contextualização nossa para grande parte da sociedade e estudiosos, ainda se resume nesta distinção, como primitivos, algo fora dos padrões. Algo exótico, estes por sua vez, esquecem que nós indígenas, temos nossa própria cultura, nossa língua, nossas técnicas, nossa organização, enfim, nossa identidade étnica, que é única e exclusiva.
Infelizmente cresce a banalização sobre o conceito indigenista por várias questões, como ocupação de terras, protestos, dentre outras questões, que são tomadas por parte da sociedade como afronta a seus princípios civilizados.
Vivemos em tempos materialistas e egoístas, e como sempre quem mais sofre com as conseqüências destes, são os mais pobres, principalmente os que são alvo de preconceito e marginalização como nós. Apesar do esforço que fazemos para sermos reconhecidos e ter um pouco, mas de respeito, ainda somos alvo de zombação e humilhação. Para a maioria das pessoas que não nos conhece, é fácil dizer que reclamamos de barriga cheia, que recebemos vários benefícios do governo, que vivemos bem. Mal sabem eles, que vivemos em plena miséria e abandono.
Por sermos minoria entre a sociedade brasileira, não seria muito difícil para nossos governantes colocar em prática, algumas medidas sérias para ao menos amenizar nossa situação, já que fazemos parte da administração federal. É praxe da sociedade nos generalizar, dizer que somos todos iguais, todos uns vagabundos e que só sabemos pedir. Assim como acontece na sociedade, acontece também com nossas comunidades indígenas, existem casos e casos, existem bêbados não-índios e também indígenas alcoólatras, assim acontece com os drogados, e até criminosos, mas acima de tudo existem pessoas honestas de bem e trabalhadoras que são a maioria.
Quando se ouve que um indígena praticou algum crime ou algo parecido as pessoas tentam de toda forma diminuir mais ainda a auto-estima dos indígenas. Com suas ironias e julgamentos, como se fosse algo de outro mundo ver um índio cometer algo assim. É certo que quem comete algum ato criminoso, índio ou não deve prestar contas com a justiça, mas as pessoas esquecem que além de tantos outros crimes que são cometidos por aí por não-índios, existem os poderosos, os políticos que praticam roubos milionários como sendo algo legal, até discutem formas de roubar dentro da lei, como a questão da pensão para políticos.
Com toda essa onda de divergências existem os meios de comunicação que de certa forma contribuem um pouco para a pejoração de certas situações, ao muitas vezes não pegar informações corretas e dar opiniões de determinado assunto que não domina e dar conclusões precipitadas e equivocadas.
A sociedade tem que estar ciente do que ela está julgando, conhecer realmente a nossa realidade. Havendo esta abertura perceberão que não somos nem um bicho de sete cabeças, que somos normais, que temos problemas e passamos por privações como todo mundo. Ela perceberá também que estamos em um beco sem saída, de um lado nos voltamos para nossa comunidade rodeada de problemas e miséria, de outro lado nos deparamos com o descaso e o abandono de governos, tudo isto levará às comunidades uma série de conflitos e frustrações, e com isso vêm aqueles problemas clássicos da comunidade indígena: o alcoolismo, as drogas, violência dentre outros.
Determinar e colocar em prática, sérias medidas de políticas publicas para nós indígenas está mais do que na hora. É o momento dos políticos que só nos usam em campanhas e inaugurações, fazer algo de concreto em favor de nossas comunidades que tanto necessitam. Se não houver partido de nem um dos governantes, os protestos e reocupações de terras não irão parar, pois temos que sobreviver de algum modo e procuraremos sim reivindicar cada vez mais nossos direitos, até que um dia possamos ser ouvidos e nossas propostas atendidas.
O Brasil está longe de ser o país da tolerância e da democracia racial. A idéia de um país igualitário, formado por três raças – índio, negro e o branco, na prática não tem se mostrado verdadeira. A intolerância, o preconceito, são, portanto, problemas do nosso tempo que desafiam a sociedade e colocam em questão a sua capacidade de tratá-los racionalmente.
Com nossos espíritos guerreiros lutaremos até o fim por nossa existência. Um dia esperamos ter oportunidade de dormir sem medo, em paz, de não ter que carregar mais o peso do preconceito da humilhação que nos atormentam todos os dias.
(Graciela Pereira dos Santos é índia do povo Guarani. Escreveu este texto publicado no jornal Dourados Agora, de Mato Grosso do Sul; aos 20 anos de idade, no ano de 2006. Este artigo foi publicado originalmente no endereço http://www.douradosagora.com.br/not-view.php?not_id=164961)
http://www.iande.art.br/textos/tematicaindigenista.htm
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