sábado, 17 de março de 2012

índios Xokleng: Contato, Organização Social e Cultura Material

Organização social e política pré-contato

Henry (1941) afirma que no passado remoto os Xokleng praticavam a agricultura e a caça, vivendo em vilas permanentes. Entretanto, antes do contato sistemático com os brancos, os Xokleng eram nômades, vivendo da caça e da coleta do pinhão (fruto da Araucaria angustifolia), não tinham acampamentos fixos e, portanto, não mais cultivavam a terra. Segundo Urban (1978), dividiam e organizavam seu tempo em dois períodos, verão e inverno. Os grupos, que variavam de 50 a 300 pessoas, passavam o inverno no planalto, se alimentando do pinhão. No verão desciam para o vale, se reuniam e construíam ranchos, em semi-círculo, voltados para uma praça central onde faziam os rituais de iniciação, casamentos, ritos funerários, confraternizavam, caçavam e planejavam ataques aos inimigos. Terminada a estação cerimonial, a vila se desfazia, e os grupos saíam para mais uma jornada no planalto no inverno, e se reencontravam para outra cerimônia, já planejada, no verão.



A admissão da existência de cinco grupos exogâmicos, que tinham suas próprias pinturas corporais (ou "marcas") talvez se fundamente em desdobramentos, quiçá sazonais, das três facções que sucederam as duas antigas patrimetades. Mas, na época da pesquisa de Henry, já não havia uma relação direta entre diferentes pinturas corporais e diferentes grupos de nomes pessoais.

A residência após o casamento era com os parentes da esposa, sem que o marido atenuasse seus laços com a família extensa de origem, pois davam grande valor às lealdades paternas.

Segundo Urban, os Xokleng admitiam que, na procriação, o homem colabora com o sêmen e a mulher com o sangue. Para o feto se desenvolver eram necessárias relações sexuais contínuas. O homem era quem transmitia as características físicas da criança.

José Maria de Paula, em 1924, constatou que, ao nascer um menino, o pai e seus parentes escolhiam para ele o prenome de um antepassado notável, ao qual acrescentavam como sobrenome o prenome do pai acrescido do conjunto de nomes que identificava e qualificava a família extensa do pai e à qual a criança passava a pertencer. O mesmo se dava ao nascer uma menina, só que eram os parentes da mãe que faziam a escolha do prenome dela, acrescido do prenome de seu pai e o conjunto de nomes da família extensa da mãe.

Conforme Darcy Ribeiro, no processo de maturação sexual das adolescentes era importante que mantivessem relações sexuais freqüentes com os homens. Henry observou a existência da poligamia, mas não da poliandria, antes do contato.

A morte é um relevante fator de ruptura social entre os Xokleng e evoca seu principal ritual: a reclusão do cônjuge sobrevivente. Urban observou que os Xokleng, quando em reclusão, devem obedecer a restrições alimentares e a uma série de rituais de purificação. O retorno do viúvo ou viúva para o convívio implica no seu corte de cabelos e unhas, cânticos, danças e pinturas corporais envolvendo a comunidade. Os mortos adultos eram cremados, e as crianças enterradas, pois acreditava-se que elas retornariam ao ventre da mãe e renasceriam; por isso a nova criança recebia o nome da falecida.

O ritual de iniciação das crianças era central. Os meninos, entre três e cinco anos, tinham botoques inseridos no lábio inferior; as meninas, também nesta idade, recebiam tatuagens na perna esquerda, abaixo da rótula. Os padrinhos, responsáveis pela perfuração labial e tatuagens, eram os mesmos que, segundo Métraux, enterravam o cordão umbilical da criança e que mais tarde acompanhariam o desenvolvimento e socialização das crianças até a fase adulta. Normalmente eram os afilhados que se incumbiam da cremação de seus padrinhos quando morriam.

Henry afirma que existia uma a forte relação entre homens denominada "companheiros de caça", e que a mesma ia além da dos laços consangüíneos. O processo de formação do homem devia transformá-lo num Waikayú , isto é, uma pessoa plena e orgulhosa de si mesma. E só chegava a este estágio após ter filhos e lutar contra outras famílias extensas ou contra os brancos.

Organização social e atual

Atualmente os Xokleng da TI Ibirama vivem em quatro aldeias: Sede, Figueira, Bugio e Toldo. Todas têm autonomia política, um cacique e um vice-cacique. Há também um cacique-presidente, que representa e dá a unidade aos Xokleng perante as instituições com as quais estabelecem relações políticas. Estes líderes são escolhidos por voto direto, têm mandato de dois anos e direito à reeleição. Se a comunidade estiver descontente com algum dos líderes, pode destituí-lo mediante um abaixo-assinado e escolher outro para terminar o mandato. Se o líder faz um bom trabalho, pode ficar no poder por mais tempo, sem nova eleição.

Quem normalmente elege um candidato a cacique e/ou cacique-presidente, e o mantém no poder, é sua família extensa, cujos membros se esforçam para usufruir do poder e dos privilégios de ser "parente do cacique".

Embora a maior parte dos domicílios abriguem famílias nucleares — devido à extração da madeira e à divisão da terra em "frentes" — eles estão próximos uns dos outros e formam micro-aldeias dentro de cada vila, denominadas pelos nomes das famílias extensas que as constituem. Assim, irmãos, cunhados, noras e genros vivem próximos uns dos outros, trabalham juntos, caçam juntos; repartem fruto de sua produção e as tarefas cotidianas que demandam a sobrevivência de cada um desses núcleos.

As relações entre os Xokleng e os não Xokleng dentro de um mesmo domicílio, ou numa unidade de produção familiar extensa, é quase sempre conflitiva.

A chefia destas famílias extensas é normalmente exercida pelas mulheres mais velhas, que escolherão os casamentos para seus filhos, criarão filhos e netos e coordenarão as tarefas domiciliares. O domicílio continua estabelecido mesmo quando seu marido a deixa ou morre. A idade madura, para ambos os sexos, não impede o envolvimento físico com alguém. Os idosos muitas vezes se casam novamente com outros idosos ou pessoas mais novas.

Os termos de parentesco são usados em português, mas seu significado interno é o "tradicional". Assim, um Xokleng diz "meu pai" se referindo ao pai biológico, social, avós paternos ou sociais; somente a genealogia da família ou o contexto explicam a quem ele se refere.

Geralmente a mãe recebe da filha seu primeiro filho homem para ser criado por ela, dando a ele pelo menos um nome de seu avô. Este neto será seu arrimo na velhice, auxiliando-a nas tarefas domésticas e na cobertura de despesas. Não há distinção alguma entre parentes por nascimento ou adotados entre os Xokleng.

Como Santos (1973) já havia notado, o processo de nominação permanece importante para a organização social Xokleng. As crianças, hoje, têm uma combinação de vários "nomes bonitos" ("uh"): um nome "secular" (português, norte-americano ou bíblico), um nome Xokleng e o sobrenome do pai.

A exogamia dos grupos de nomes não é relevante atualmente. Há pessoas com a mesma "marca" casadas entre si. Os desenhos corporais são um símbolo de identidade dos Xokleng como um todo. Além disso os Xokleng os consideram "uh", isto é, bonitos, e se pintam em determinadas ocasiões por razões estéticas, sem tomarem em consideração a correspondência entre a pintura corporal e sua "marca".

Os rituais de hoje se resumem praticamente aos cultos da Assembléia de Deus, que mobilizam, quase diariamente, grande parte da comunidade. Há vários grupos musicais religiosos, que cantam hinos evangélicos na língua xokleng. Hoje os cultos são o que há de lúdico e de participação em massa na TI. As reuniões políticas também são um fórum que reúne muitos, mas não são consideradas lúdicas. Existem times de futebol nas diversas aldeias, mas a sua participação é restritas às crianças e a alguns adolescentes, raramente envolvem adultos por ferir os dogmas pentecostais que incorporaram. Os Xokleng só se encontram, além dos cultos, para a comemoração do Dia do Índio (19 de abril), quando cada aldeia faz sua festa com discursos, hino nacional, recitação de versos em Xokleng e português pelas crianças. Muitos vestem tangas, se pintam, usam cocares e colares; muita carne é assada sobre um grande buraco aberto no chão. Na festa de 1998, alguns Xokleng da aldeia Bugio fizeram o mon, uma bebida fermentada de mel com xaxim, usada nos rituais de iniciação dos jovens, e que não era preparada, por livre iniciativa, desde os anos 30.

Em caso de morte, é feito um culto especial. Há vigília na casa do morto, ou nas igrejas evangélicas, para que seu espírito siga seu caminho e não venha arrebatar mais ninguém. O morto é enterrado com a cabeça voltada para o poente e todos os seus pertences íntimos enterrados com ele ou queimados.

Cultura material

O médico Simoens da Silva, que esteve entre eles em 1930, observou que tanto os homens como as mulheres Xokleng fabricavam panelas e talhas de barro cozido, apenas com riscos gravados por impressões digitais, de cor negra ou parda; usavam canoas de madeira de lei e jacás para transporte de mercadorias; faziam balaios pequenos, para guardar cinzas mortuárias; cestos revestidos de cera virgem para transporte de água; longas lanças de madeira, com aguçadas pontas de aço de dois gumes; cordas finas de samambaia, para cintos de suspensão do pênis; colares de coco e miçangas; redes de pesca e tangas. Faziam grandes arcos de madeira de lei e flechas de vários tipos. Os botoque de pedra e de madeira, para o lábio inferior dos homens, também foram encontrados.

Hoje a cultura material dos Xokleng é produzida para uso imediato. Tangas e colares se destinam somente às festas do Dia do Índio, sendo jogadas fora após o uso. Há pequena produção de artefatos para o comércio. As mantas de urtiga que as mulheres teciam não são mais produzidas. Os únicos instrumentos musicais ainda confeccionados e utilizados são os chocalhos, usados para cantar canções rituais de conteúdo quase que totalmente desconhecido para os mesmos.

Hoje em dia, por serem crentes, os homens Xokleng usam cabelos curtos, calças e camisas de colarinho, e as mulheres, cabelos longos, saias compridas e blusas.

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/xokleng/979

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