terça-feira, 27 de dezembro de 2011

ZORÓ - I

Os Zoró, e os demais povos de língua Tupi-Mondé, são habitantes seculares da região noroeste de Mato Grosso e sul de Rondônia. No século XX, progressivamente, este extenso território indígena foi invadido por seringais e empresas de mineração. A inauguração da rodovia Cuiabá-Porto Velho, em 1961, lançou colonizadoras, agropecuárias e posseiros na disputa pelas terras indígenas. Face ao acirramento dos conflitos, organizaram-se várias expedições de “pacificação”. Oficialmente contatados em 1977, os Zoró foram os últimos dos Tupi-Mondé a se aproximar das frentes de expansão regional (veja "Histórico da pacificação"). Os sertanistas da Funai estimavam sua população entre 800 a 1000 pessoas. Um ano depois do contato, este número reduzira-se à metade. A invasão de suas terras por posseiros e madeireiras ganhou força nas décadas seguintes, ocasionando epidemias e depopulação. A retirada dos invasores da área Zoró, no início dos anos noventa, contudo, não interrompeu a extração ilegal de madeira. Nos últimos anos, a Associação Pangyjej (APIZ) vem assumindo iniciativas para a proteção da Terra Indígena Zoró e seus recursos naturais, além de apoio à educação escolar e aos projetos produtivos, como a coleta de castanha.


NOME
Os registros históricos mais antigos não distinguem os Zoró dos demais povos da família lingüística Tupi-Mondé, em geral referidos como “Cinta-Larga” ou “Cinturão-Largo” (além deles, os atuais Cinta-Larga, os Suruí e os Gavião), que até meados do século XX habitavam as florestas tropicais densas, com seus enclaves de formações abertas e cerrados, que caracterizam as bacias dos rios Aripuanã e Roosevelt, a noroeste de Mato Grosso e sudeste de Rondônia. Todos portavam algum tipo de cinto e construíam malocas oblongas muito semelhantes. Seringueiros, caçadores e garimpeiros, entretanto, dirigiam-lhes a alcunha de “Cabeças-Secas”, talvez devido aos cabelos raspados, como usavam os Tupis-Mondé por ocasião de doenças ou funerais.

Os sertanistas da Funai, por sua vez, obtiveram dos Suruí (que se autodenominam Paiter), seus mais tenazes inimigos à época, a designação que hoje identifica os “Zoró”. Segundo o jornalista Cesarion Praxedes, que visitou em 1977 o acampamento da Frente de Atração às margens do rio Branco (afluente da margem esquerda do rio Roosevelt):

“Zoró é o nome que ficou da denominação monshoro, utilizada pelos suruís para designar seus vizinhos e inimigos (...). Monshoro é uma palavra depreciativa que os suruís não explicam direito o significado. Com o tempo, foi abreviada para shoro e, por fim, zoró” (Praxedes, 1977a).
O médico Jean Chiappino (1975), que em 1972 permaneceu alguns meses na Área Indígena Sete de Setembro (atual TI Sete de Setembro), ouviu os Suruí chamarem “Mojur” aos seus inimigos situados ao norte. De acordo com a indigenista Inês Hargreaves (1992), os Suruí endereçam-lhes estes dois apelativos, ngu sura (“boca ou fala ruim”) e lad up (“gente vermelha”).

A si próprios os Zoró designam-se por Pangyjej. Todavia, assimilaram a denominação “Zoró”, que rapidamente se difundiu no contexto de suas relações com a sociedade nacional; utilizando-na, inclusive, como sobrenome em registros de nascimento e outros documentos pessoais.

Língua

Os Zoró falam uma língua da família Mondé, da qual também fazem parte as línguas Cinta-Larga, Gavião, Salamãi (Sanamaiká ou Mondé), Suruí, Aruá e Aruaxi (Rodrigues, 1986); e, provavelmente, também as línguas Kepkiriwat, de um povo que a Comissão Rondon encontrou em 1913 no vale do rio Pimenta Bueno, um dos formadores do rio Ji-Paraná (Rondon, 1916; Rondon & Faria, 1948; Lévi-Strauss, 1994) e Arara do Guariba (Dal Poz, 1995).

Para o linguista Denny Moore (2005), as línguas Cinta-Larga, Gavião e Zoró seriam, tão-somente, variantes dialetais, pois são mutuamente compreensíveis.

A denominação desta família lingüística deve-se a um pequeno grupo de 25 índios “Mundé” que o antropólogo Lévi-Strauss visitou em 1938, no alto rio Pimenta Bueno, atual estado de Rondônia (Lévi-Strauss, 1955). Anos depois, a missionária Wanda Hanke encontrou-os no alto Guaporé, para onde três famílias haviam sido removidas, e recolheu uma lista de palavras e dados etnográficos superficiais (Hanke, 1950).

Localização e população


Os Zoró vivem na Terra Indígena Zoró, demarcada e homologada, no município de Rondolândia (desmembrado em 1998 do município de Aripuanã), em Mato Grosso, em área próxima à divisa com Rondônia.

A região dos afluentes da margem direita do alto rio Madeira, desde muito tempo, é o habitat dos povos de línguas Tupi-Mondé. As pesquisas etno-lingüísticas estimam em dois a três séculos a origem do processo de diversificação de suas línguas, quando alguns grupos “proto-tupi-mondé”, eventualmente retomando áreas já ocupadas por outros grupos da mesma família, teriam se deslocado a montante ao longo dos rios Aripuanã e Roosevelt (Brunelli, 1989).

Então, um estado de guerra incessante governava as relações destes povos entre si, e servia-lhes de mecanismo para a definição de seus limites territoriais. Os Zoró relataram ao antropólogo Gilio Brunelli (1987a) que seus ancestrais habitavam as imediações da embocadura do rio Aripuanã e, nas primeiras décadas do século XX, abriram caminho entre os Arara Karo e outros povos agricultores estabelecidos a montante, aproximando-se aos poucos do território que hoje ocupam. Nesta migração, os Zoró enfrentaram grupos Cinta-Larga acima da confluência do rio Branco com o rio Roosevelt, impondo-se após escaramuças acirradas.

A movimentação cessou por volta da década de 1930, quando os Zoró se chocaram com grupos Cinta-Larga e Suruí, mais numerosos, a oeste e ao sul. Em meados do século passado, portanto, os Zoró ocupavam um território contínuo, desde a margem direita do rio Roosevelt até os córregos que formam o rio Madeirinha, tendo como confrontantes os Cinta-Larga a leste, os Suruí ao sul, os Gavião a sudoeste e oeste e os Arara Karo a noroeste.

Em 1976, com base nos levantamentos aéreos, os sertanistas da Funai estimaram a população zoró em oitocentas pessoas, distribuída em mais de dez aldeias. Um ano depois, não alcançava nem a metade desse número – caso seja verdadeira a informação de que apenas cerca de quatrocentas foram vacinadas pela equipe da Funai em 1977. Tuberculose, gripe, diarréia e malária golpearam epidemicamente os Zoró, antes e depois de sua primeira visita aos peões da Fazenda Castanhal (Brunelli e Cloutier, 1986).

Após o contato, os Zoró se deslocaram para a Área Igarapé Lourdes (atual TI Igarapé Lourdes), dos Gavião, aturdidos pelo ataque inesperado de Suruí a um acampamento – uma estadia curta, mas marcante: ali conheceram os religiosos fundamentalistas norte-americanos da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) e, além disso, contraíram malária e hepatite que vitimaram vários deles (Brunelli, 1987a; Forseth & Lovøld, 1984). Em maio de 1980, novamente buscaram refúgio na Área Igarapé Lourdes, onde os missionários dispunham de remédios e prestaram o atendimento de que careciam (Brunelli, 1987a; Cloutier, 1988). Desde os primeiros contatos com os peões da fazenda Castanhal, em 1976, até fins de 1979, ocorreram cerca de 44 óbitos, metade dos quais de pessoas com trinta anos ou mais (Forseth & Lovøld, 1984; Brunelli, 1987a).

Alguns Zoró casaram-se entre os Gavião, e assentaram definitivamente suas famílias na Terra Indígena Igarapé Lourdes. Um ano depois, contudo, a maioria retornaria ao território tradicional, concentrando-se no posto da Funai, onde o pequeno ambulatório contava com a presença eventual de um auxiliar de saúde (Brunelli, 1989). Assim, em 1984, após uma série de surtos epidêmicos, a população zoró somava pouco mais de 200 pessoas.

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/zoro/2065

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