segunda-feira, 11 de julho de 2011

XAVANTE: VIDA PÚBLICA, SAÚDE E PROJETOS

A partir da segunda metade da década de 1970, havendo-se recuperado da desorientação do contato e, em muitos casos, dos efeitos devastadores das doenças e epidemias por ele induzidas, os Xavante começaram a reivindicar a recuperação de suas terras tradicionais. A proximidade geográfica em relação à Brasília e a criatividade na adoção de estratégias para conquistar a atenção pública permitiram que seus líderes fossem à capital federal para pressionar, com eficácia, altos funcionários do governo.


Um líder em particular, Mário Juruna, destacou-se por seu engenho e criatividade em atrair a atenção pública, para as reivindicações territoriais xavante e para o tratamento conferido aos povos indígenas no Brasil.

Oriundo de São Marcos e dono de um estilo franco e sincero, Mário Juruna tornou-se um líder xavante nacionalmente famoso. Sua maneira direta de criticar a corrupção de altos funcionários do governo, assim como o uso do gravador, expunha publicamente falsas promessas feitas por tais autoridades, no fim do período da ditadura militar, fizeram com que fosse aclamado a nível nacional. As críticas de Juruna ecoaram as inquietações de uma ampla base social, e ele se tornou um símbolo a representar os setores menos favorecidos e os desprovidos de terra do país. Em 1982, elegeu-se deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, convertendo-se no primeiro e único líder indígena brasileiro a chegar ao Congresso Nacional. Quatro anos depois, com menos de um terço dos votos obtidos na primeira eleição, não conseguiria se reeleger.

Paralelamente, outros líderes xavante se destacaram pela luta em prol de seus direitos, particularmente, os territoriais, sendo que muitos deles ainda continuam na ativa: continuam a ser francos defensores dos direitos a serviços sociais, e da proteção às terras demarcadas e campanha para proteção do cerrado, onde elas se encontram.

Desde o final da década de 1980, tirando partido de mudanças promovidas pela nova Constituição brasileira, grupos xavante começaram a formar associações civis. Essas entidades permitem que recebam apoios financeiros diretos de ONGs, do Governo Federal e de outros doadores, para desenvolverem projetos em prol da melhoria das condições de vida nas comunidades. Seus esforços vão desde projetos visando à promoção da educação, das condições sanitárias, da atenção à saúde e da nutrição até planos para geração de renda. Entre os últimos, estão projetos como os de turismo eco-cultural, de manejo de caça sustentável, de criação de abelhas para a produção de mel, até a negociação de músicas xavante para a produção de alertas sonoros de telefones celulares.

As Associações e comunidades xavante também estão fazendo esforços para divulgar informações sobre seu modo de vida e as dificuldades que hoje enfrentam – como campanhas pela preservação do cerrado (http://wara.nativeweb.org/associacao.html) -, bem como para induzir respeito por sua cultura entre os não-Xavante. Além de realizar seminários em escolas e outros ambientes educacionais, sobretudo em eventos relacionados ao Dia do Índio em abril, alguns deles têm aproveitado oportunidades abertas em meios de alta visibilidade, que lhes permitem atingir públicos maiores, via sites na internet e produção de vídeos de autoria indígena. (http://www.ideti.org.br/ e http://www.videonasaldeias.org.br).

Associações xavante também estão envolvidas em campanhas para promover a consciência e a compreensão quanto aos programas governamentais de desenvolvimento, como a construção de represas hidrelétricas e da hidrovia Araguaia-Tocantins. Trata-se de tentativas de instruir os Xavante sobre como a implementação desses projetos, do mesmo modo que a agricultura intensiva que se pratica na região, irá afetar suas terras, os cursos de água de que eles dependem e seus meios de vida.

Para os Xavante, o rio das Mortes, chamado ö wawe (água grande) na língua nativa, é o centro fluvial de quatro de suas nove terras, beira a: Areões, Pimentel Barbosa, Sangradouro/Volta Grande e São Marcos. O rio sustenta a flora e a fauna de que os Xavante dependem em termos de subsistência física e cultural, fornecendo os recursos que eles utilizam em sua rica vida cerimonial. A viabilidade do rio das Mortes, afluente do Araguaia, está presentemente ameaçada, seja pelos efeitos do agronegócio de larga escala, em especial do cultivo da soja, ao longo do seu curso, e de seus afluentes e nas cabeceiras do sistema, seja pelos planos de implementação da hidrovia Araguaia-Tocantins e de hidrelétricas. O cultivo da soja, juntamente com a criação extensiva de gado e o desmatamento que a ela se associa, estão degradando os sistemas fluviais da região e com impactos, inclusive, sobre a maior reserva de água doce do mundo, o aqüífero Guarani.

O Mato Grosso configura-se como o maior estado produtor de soja do Brasil, país que agora ocupa a posição de maior exportador mundial do grão – à frente dos Estados Unidos, seu maior produtor mundial. Hoje, o Mato Grosso também é o estado brasileiro líder em queimadas e incidência de desmatamento. Os governos federal e estadual alinham-se no apoio ao agronegócio, em especial à forma de cultivo da soja, que utiliza pesadas doses de agrotóxicos e fertilizantes químicos, o que vem levando ao desmatamento de áreas que protegem as nascentes dos afluentes do rio das Mortes. O cultivo descontrolado da espécie em áreas imediatamente adjacentes aos territórios dos Xavante vem gerando efeitos deletérios sobre os recursos naturais de que eles dependem. Para eles, além de ser fonte da produção e reprodução da sua sobrevivência física, o Cerrado é fundamental à sua vida espiritual e cerimonial.

A condição de saúde dos Xavante hoje
Como foi dito, os Xavante estão em processo de recuperação demográfica, com elevadas taxas de natalidade e um crescimento populacional que se vem mantendo regular desde fins da década de 1960. A mortalidade infantil, no entanto, é relativamente alta – significativamente superior à média brasileira. Um estudo recente mostra que apenas 86% das crianças sobrevivem até os dez anos de idade. Em muitos casos, as causas de morte resultam de doenças tratáveis, de precárias condições sanitárias, que poderiam ser melhoradas com medidas básicas de saúde pública, ou da contaminação da água. Doenças gastrointestinais (gastroenterites) e infecções respiratórias respondem por uma significativa proporção de mortes de crianças. Em várias aldeias, excrementos humanos chegam às fontes de água de que se servem os membros da comunidade. Agrotóxicos de fazendas vizinhas também contaminam os estoques hídricos.

O acúmulo de lixo e de excrementos humanos nas aldeias e suas imediações, bem como a contaminação das fontes de água conformam, hoje, sérios riscos de saúde pública nas comunidades xavante. Esses problemas resultam, em parte, da mudança do padrão de vida seminômade ao sedentarismo. No passado seminômade, como o local de instalação das aldeias era freqüentemente trocado, o hábito de depositar dejetos perto das casas não apresentava sérios riscos de saúde, como ocorre atualmente. Ademais, o acúmulo de lixo se vê exacerbado pela introdução de materiais que, à diferença dos tradicionais resíduos orgânicos, não se decompõem com rapidez. Plásticos e produtos tóxicos, como pilhas elétricas, entulham as aldeias contemporâneas.

O sedentarismo, a carência de caça e de outras fontes de proteína, assim como os planos desenvolvimentistas da Funai resultaram em dramáticas mudanças na dieta xavante, que têm levado à desnutrição e a problemas de saúde a ela relacionados, como a anemia. As mudanças na dieta, em especial o gosto recentemente adquirido pelo açúcar e pela farinha de trigo refinada, também se expressam numa alarmante incidência de diabetes. Como este, o consumo de álcool e o alcoolismo, que se relacionam com situações de tensão social e são mais graves em comunidades situadas perto de cidades, colocam novos problemas. O diabetes, o alcoolismo e também a tuberculose – de incidência relativamente alta em algumas comunidades – são, para os Xavante, doenças novas.

O acesso aos serviços de saúde é um sério problema para os Xavante contemporâneos. O ato administrativo que, em 1999, transferiu a responsabilidade pela saúde indígena da Funai à Funasa (Fundação Nacional de Saúde) não melhorou a situação. A Funasa presta seus serviços aos povos indígenas, muitas vezes em colaboração com ONGs locais, por meio dos chamados Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). A atenção à saúde nas aldeias xavante continua a ser deficiente, quando não inteiramente ausente. Na maioria dos casos, os postos de saúde nas comunidades contam com equipes treinadas em graus mínimos – auxiliares de enfermagem não-índios e Xavante que atuam como monitores de saúde. É sobretudo nos centros urbanos, e não nas terras xavante, que fica o pessoal treinado. Os profissionais da área médica e odontológica que atendem os Xavante trabalham à base de intervenções curativas; a falta de recursos impede o desenvolvimento de programas preventivos. Quando tratados nos postos de saúde que servem à população em geral, os Xavante sofrem, muitas vezes, discriminação dos profissionais responsáveis, que carecem de treinamento e sensibilidade para lidar com povos indígenas. O racismo que prevalece nos centros urbanos e entre os trabalhadores da área da atenção à saúde exacerba a relutância dos Xavante em procurar a atenção da medicina clínica ocidental, desanimando-os, mesmo quando se trata de casos graves, a dirigir-se a hospitais.

O projeto Xavante
Um grande projeto econômico patrocinado pelo governo, iniciado em fins dos anos 1970 que arrastou-se por quase uma década, inseriu nas terras xavante a rizicultura mecanizada e em grande escala. Sob o conceito de fornecer os meios para a futura auto-suficiência econômica dos Xavante, e de demonstrar o potencial deles em contribuir para a economia regional, o projeto tinha como estratégia maior a diminuição da intensa pressão exercida sobre a Funai por líderes xavante sempre empenhados em reivindicar seus territórios tradicionais.

O “Projeto Xavante”, como veio a ser conhecido, foi extremamente problemático, em vários aspectos. Sua implementação exigia enormes doses de conhecimentos e habilidades tecnológicos, perícia administrativa e investimento financeiro. Requeria conhecimentos de química de solos – dos fertilizantes apropriados para os solos ácidos do cerrado – e capacidade de operar e cuidar de máquinas como tratores e colheitadeiras. O projeto teve sérios efeitos sociais, exacerbando tensões e gerando competição tanto no interior das comunidades xavante como entre elas, além de criar sérios problemas para a Funai. A meta de conseguir um projeto – acompanhado de benefícios financeiros e materiais (como, por exemplo, um caminhão) – converteu-se em incentivo para que os líderes estabelecessem novas comunidades. Homens xavante em busca de atenção e recursos financeiros afluíam intensamente aos escritórios da Funai, criando uma situação que os administradores do órgão não tinham como manejar. Ademais, por causa dos projetos, os Xavante concentraram uma desproporcional quantidade dos recursos financeiros da Funai, assim como da atenção administrativa por ela prestada. No fim das contas, em lugar de atenuar as demandas dos líderes xavante em Brasília, o projeto intensificou a presença dos mesmos na capital federal, e os Xavante, uma vez mais, passaram ao foco de atenção da mídia nacional. Dessa vez, porém, ignorando as tristes condições das comunidades, motivo de os líderes pressionarem a Funai em busca de apoio, a mídia retratou os Xavante de uma maneira extremamente negativa. Em meados dos anos 1980, a Funai já não podia controlar a situação, e os projetos foram, por fim, suspensos.

O projeto de rizicultura também desequilibrou ainda mais os padrões de subsistência e dieta, criando quase que uma dependência de uma variedade não-nutritiva de arroz, alçada à condição de base da dieta. Como resultado, muitos conhecimentos sobre nutritivos alimentos tradicionais se perderam. Em algumas áreas, grupos que reconhecem a importância desses conhecimentos estão, hoje em dia – muitas vezes em colaboração com organizações não-governamentais –, empenhados em recuperá-los e em revitalizar práticas tradicionais de colheita e processamento alimentar .

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/xavante/1163

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