sexta-feira, 3 de junho de 2011

Ando devagar porque já tive pressa

O antropólogo Marco Homero, assessor do Ministério Público Federal de Dourados, recomendou muita paciência e capacidade de ouvir, para os missionários da diocese de Dourados, reunidos em encontro de formação. Falou que nos oito anos em que esta atuando na assessoria do MPF, exercitou muito a mensagem da canção – ando devagar porque já tive pressa - do cantor sul matogrossense Almir Sater. Os Guarani-Kaiowá sabem muito bem fazer as suas políticas e buscar fundamentação e aliados para seus interesses e direitos. Citou vários casos em que, apesar de toda boa vontade, acabamos interferindo negativamente nos processos de vida e organização social das comunidades.


De forma muito didática Homero foi mostrando o processo de invasão, saque e destruição ambiental do território Kaiowá Guarani, no Cone Sul, que era de aproximadamente três milhões de hectares, segundo o antropólogo Fabio Mura, indo do Rio Brilhante até a fronteira com o Paraguai. Ressaltou que a dispersão das comunidades ao longo da bacia desses seis grandes rios(Amambai, Iguatemi, Ivinhema, Dourados, Rio Brilhante e rio Apa), lhes possibilitava uma vida com fartura e boas condições de equacionarem as tensões e conflitos, através do processo de deslocamento no amplo território. A economia da reciprocidade, onde as florestas constituíam seus supermercados e farmácia, complementadas pelas suas roças, propiciava uma vida saudável e alegre. Esse quadro, porém, está radicalmente mudado.
A partir de 1950 começou um processo de ocupação econômico-agropecuária, estimulada pelo governo Getulio Vargas, que transformou radicalmente as condições de sobrevivências das populações indígenas da região.
Hoje temos uma população espremida em pequenos pedaços de terra, quando não expulsos para as beiras das rodovias e cidades.

De um povo autônomo, passaram a um povo quase totalmente dependente de políticas assistencialistas e inimigos políticos. Da fartura passaram à humilhação das cestas básicas.
Do "Bem Viver Guarani”, com harmonia e paz, passaram ao flagelo das doenças e da fome, das violências e discriminação, da debilitação social e imposições religiosas, da proibição e menospreza de sua língua, cultura e modo de vida.


Interferências, violência e burocracia


Antonio Brand, que enfocou mais o aspecto da sobrevivência, trabalho e produção, ressaltou o processo de autonomia em que vivam os Kaiowá-Guarani. que está diretamente relacionado à questão de terra e território Trouxe importantes informações, tanto a partir de seus conhecimento acadêmico, quanto de seu trabalho solidário com os Kaiowá-Guarani.


Quando em 1978, veio a Dourados para trabalhar na questão indígena pela diocese de Dourados-Cimi, disse que era voz corrente de que a questão das terras indígenas no Mato Grosso do Sul estava resolvido. Para sua surpresa, uma das primeiras atividades indigenistas foi apoiar um grupo de famílias do Rancho Jacaré, que haviam sido levados pela Funai para o Paraguai, e ao retornarem, foram levados pelos fazendeiros para a terra dos Kadiwéu, e suas casas foram queimadas. Com enormes sofrimentos e perdas de vidas o grupo retornou ao local donde fora expulso e lá conseguiram posteriormente ter sua terra reconhecida.


O processo de colonização significou uma permanente submissão dos povos indígenas ao nosso modelo de sociedade e cultura.


Dentre as interferências mais intensas citou a presença do Estado, igrejas, escolas, frentes econômicas, políticos..., dentre outros. Neste quadro, ressaltou Brand, os mais afetados e impactados são os jovens e as mulheres. E pergunta – o que estamos fazendo para esses segmentos? Afirmou que essa é um dos maiores desafios e dívida que temos hoje com esses povos. O importante é que eles continuem e ampliem suas formas de resistência, articulação e Organização. Fez menção da Aty Guasu como um dos importantes espaços que está fortalecendo as lideranças tradicionais articulando-as com as novas lideranças, que vem dos contatos com a sociedade regional e nacional.
O discurso ideológico da integração, com suas parafernálias "civilizatórias”, tem unicamente atendido os interesses do projeto colonizador, e conseqüente destruição dos processos dos povos nativos.



A representante da coordenação regional da Funai, Maria Aparecida, expôs os desafios que enfrentam enquanto órgão do governo responsável pela proteção direitos dos povos indígenas. O atual processo de reestruturação da Funai esbarra na burocracia e na falta de recursos destinados ao órgão. Destacou o esforço no sentido de se fazer uma mudança de paradigma, a partir da Constituição de 1988, que supera o regime de tutela e abre espaço para a autonomia dos povos indígenas em seus territórios. "Isso tudo é bonito na lei, na escrita, mas muito difícil de sair do pape!”.


Os missionários e aliados dos povos indígenas saíram do encontro mais animados e fundamentados em sua presença solidária e em sua atuação junto aos Kaiowá-Guarani.
Anunciada a criação da nova diocese de Naviraí, em cuja circunscrição estão talvez mais da metade dos 40 mil Kaiowá Guarani. Os indígenas e seus aliados estão esperançosos de que esse possa ser mais uma instância de apoio aos direitos dos povos indígenas, desta região da fronteira com o Paraguai.

Egon Dionísio Heck
Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul
http://www.adital.com.br/SITE/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=57051

Nenhum comentário:

.