sábado, 9 de maio de 2009

A PINDORAMA

À época de sua "descoberta" pelos europeus, embora já distantes da primitiva pureza de suas tradições, os Tupis-Guaranis ainda sabiam-se de uma origem tão antiga que denominavam a sua mítica terra de origem ancestral pelo nome de Pindorama, porque este nome referenciava-se à uma lenda tão antiga que envolvia a idéia de um dilúvio universal que havia alcançado a Terra das Palmeiras, que é o que significa Pindorama.
Assim sendo, permanecendo na mítica Terra das Palmeiras de seus ancestrais e daí irradiando-se e vivendo por milênios em integração harmônica com a natureza, foram os povos Tupis-Guaranis os que melhor retiveram a "centelha espiritual" da primeira raça humana.
Viajantes e estudiosos da época do descobrimento e colonização inicial do Brasil, como De Bry, Hans Staden e Padre Simão de Vasconcellos espantaram-se com a constatação da profunda espiritualidade dos antigos Tupis. Suas observações e estudos demonstram que a concepção religiosa, mística e teogônica destes povos era de uma grande pureza, elevação e estrutura moral que somente poderiam ser alcançadas por uma raça de antiqüíssima maturação espiritual.


O Tuyabaé-Cuaá

Tão antiga era essa maturação espiritual que as lembranças do Tuyabaé-Cuaá - a "Sabedoria dos Velhos Pajés" ou "Conhecimentos dos Xamãs Ancestrais" - remontam aos primórdios da Humanidade, com a saga do índio Tamandaré salvando-se com sua família do Dilúvio no topo de uma gigantesca palmeira - a Pindó -, que flutuou sobre as águas.
Esta Sabedoria dos Pajés Ancestrais - o Tuyabaé-Cuaá - exprimia-se numa linguagem sagrada - o Nheengatu -, a "língua boa". Entretanto, ela reconhecia que existira uma língua matriz muito mais antiga - a Abanheengá - tão antiga, diziam ainda os Pajés, que "somente Tupã, o Deus Supremo, poderia tê-la ensinado à raça mais antiga de toda a Terra", ou seja, aos seus longínquos antepassados. Os Tupis-Guaranis adoravam a um Deus único Supremo - Tupã - mas reconheciam a existência de uma Trindade Manifestadora do Poder Divino - Guaracy, Yacy e Rudá -, simbolizando Poder Gerante, o Poder Gestante e o Poder Gerado, admitindo ainda a existência de um Messias Civilizador - Yurupari - gerado pela Virgem Mãe Chiucy. Desta forma, tinham uma divisão entre os ritos dos clãs masculinos (Tembetá), dos clãs femininos (Muyraquitan) e dos ritos para os seus antepassados, entre eles o do Guayú (evocação dos espíritos ancestrais), quando os seus xamãs - os Pajés - entoavam num "canto" lento, ritmado, repetitivo e de efeito hipnótico ao som de seus Mbaracás (chocalhos), aplicando-os depois à testa das Cunhãs (mulheres profetizas), que então entravam em transe mediúnico e passavam a comunicar as mensagens dos Ra-Angás, os espíritos de seus antepassados.
Este antiqüíssimo conjunto de crenças Tupis-Guaranis foi detectado e conhecido pela Ordem Católica dos Jesuítas que, sobre ele, pode estabelecer um programa de evangelização dos indígenas nos primórdios da colonização do Brasil, baseado em dois pontos principais :
1 - a aceitação destes valores espirituais ancestrais nativos Tupã, Guaracy, Yacy, Rudá e Chiucy, mas trocando-lhes os nomes para "Deus Pai", "Santíssima Trindade" e "Virgem Maria"; 2 - o combate sem tréguas contra aos valores mais radicalmente opostos aos dos ocidentais, tais como a autoridade dos Pajés, o rito espirítico do Guayú, com seus Mbaracás mediunizantes e suas Cunhãs profetisas. Mas, paradoxalmente, transformaram o Messias Civilizador Yurupari, não no Cristo, mas sim no "Diabo" dos católicos, embora tenham adotado pessoalmente a sua "erva sagrada" - o Tabaco - , o qual era usado para provocar transe mediúnico nos Xamãs indígenas (os Pajés), transformando o uso dessa "erva sagrada" em um vício profano que, ao longo do tempo, tornou-se uma praga social universal.
Do mesmo modo, os colonos brancos assimilaram as soluções indígenas que, na prática, provavam ser eficientes nesta nova terra : trocaram o trigo pela mandioca, o leito pela rede, o vinho pelo cauim; aprenderam a fumar e começaram a gostar dos frutos e das filhas desta terra, iniciando a primeira miscigenação racial deste país, gerando filhos mestiços que foram muito apreciados como elos de ligação das alianças com as tribos indígenas que os colonos precisavam estabelecer para sobreviver aos ataques das tribos de nações indígenas inimigas.
Começava aí o sincretismo cultural, racial e social que marcaria todo o período do descobrimento, conquista e colonização do Brasil e que, talvez, o diferencie de todos os outros povos irmãos da América Latina. Já o sincretismo religioso ficou por conta dos descendentes dos indígenas espoliados à medida que viam naufragar a cultura de seus ancestrais e nada lhes era dado em troca para substituí-la.
Assim, sempre que afrouxados o laço e a peia da "evangelização" católica forçada, a espiritualidade indígena reaflorou e perdurou por um largo período de tempo, quiçá até nossa era, embora desde então já se apresentasse sincretizada com motivos cristãos, por necessidade de sobrevivência e ascensão social. Sobre este afloramento "impertinente" de uma religiosidade indígena que os catequistas católicos pensaram haver suplantado, assim se expressou Roger Bastide : -"Se excluir a região do Maranhão, onde o (negro) Daomeano dominou, todo o Norte do Brasil, da Amazônia às fronteiras de Pernambuco será domínio do índio. Foi ele que marcou, com profunda influência, a religião popular: "Pajelança" no Pará e Amazônia; "Encantamento" no Piauí; "Catimbó" nas demais regiões."- Podemos acrescentar que o mesmo se deu, inicialmente, por toda a parte, como por exemplo no Estado de São Paulo, onde brancos, indígenas e seus mestiços tiveram estreita convivência e miscigenação, ao ponto da língua Tupi aí predominar sobre a Portuguesa, até os meados do século XVIII.

FONTE: NÚCLEOS DE ESTUDOS CRISTÃOS

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