terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

NAMBIKWARA II

Dados populacionais


A estimativa de David Price para o início do século XX era de cerca 5.000 Nambiquara. Já Lévi-Strauss calculou que, nesta época, os Nambiquara somavam um total de 10.000 índios e, em 1938, data em que esteve com alguns bandos Nambiquara, a população estimada por ele era de 2.000 a 3.000 pessoas.

O censo realizado por Price em 1969, mostrou que, 30 anos depois da passagem de Lévi-Strauss pelo território Nambiquara, esses grupos estavam reduzidos a 550 indivíduos.

Nas duas últimas décadas observou-se um crescimento populacional entre os grupos desta região. De acordo com o censo registrado pelo ISA, em 1999, a população Nambiquara era de 1.145 pessoas. No último censo realizado pela Funai, em 2002, os Nambiquara somavam cerca de 1.331 indivíduos.

Apesar do recente crescimento populacional, muitos grupos foram extintos e outros foram reduzidos a poucos indivíduos. Este foi o caso de parte dos grupos Nambiquara do norte, cujos remanescentes juntaram-se a outros grupos mais numerosos, passando a compor um único grupo. Atualmente, alguns remanescentes dos grupos designados Da’wendê, D’awandê e Sabanê, por exemplo, vivem junto com os Mamaindê no Posto Indígena Capitão Pedro.

Histórico do contato

Primeiros Registros

David Price realizou uma extensa pesquisa histórica sobre a ocupação da região tradicionalmente habitada pelos Nambiquara. Segundo ele, a ocupação intensiva do que corresponde ao atual estado de Mato Grosso, teve o seu início com a descoberta de ouro no rio Coxipó, em 1719, atraindo os portugueses para a região. Em 1737, é descoberto ouro na chapada de São Francisco Xavier, no extremo sul do território Nambiquara. No entanto, não há registros do encontro com índios neste período.

Os primeiros registros da região ocupada pelos Nambiquara datam de 1770, quando é organizada uma expedição para construir uma estrada ligando o Forte Bragança à Vila Bela e também para procurar ouro nesta região. Os documentos relativos a esta expedição mencionam a presença de índios, entre os quais figuram os “Cabixi”, localizados entre o alto curso do rio Cabixi, o rio Iquê e o baixo curso do Juruena. É provável que se tratasse dos Sabanê, grupo que habitava o extremo norte do território Nambiquara.

Nesta época, além do termo “Cabixi”, vários termos foram usados para designar os grupos hoje conhecidos como Nambiquara. Um subgrupo dos Pareci também era chamado de Cabixi neste mesmo período e, em alguns registros históricos, estabelece-se uma distinção entre os Cabixis “mansos” e “bravos”, designando os Pareci e os Nambiquara, respectivamente.

Em 1781, é feita a primeira tentativa de aldeamento dos índios conhecidos como Cabixi que viviam na região do Vale do Sararé. Documentos da época mencionam a presença de 56 índios classificados como Pareci e Cabixi. No entanto, este pequeno aldeamento é abandonado em 1783.

Menciona-se também a existência de quilombos no território dos Cabixi, próximos ao rio Piolho. Esta região é atualmente ocupada pelo grupo Nambiquara conhecido como Negarotê. A população dos quilombos era constituída de ex-escravos negros, que fugiram das minas de ouro na Chapada de São Francisco Xavier, e também por índios e caborés (mestiços de negros com índios). Vários documentos relatam o envio de expedições para capturar e punir os escravos fugidos e destruir os quilombos da região. É bem documentada a expedição realizada em 1795, enviada pelo então Governador Geral de Mato Grosso João Albuquerque Pereira de Mello e Cárceres. Essa expedição deixa a cidade de Vila Bela, desce pelo rio Guaporé, sobe os rios Cabixi e Pardo (área habitada tradicionalmente pelos Mamaindê) e segue, por terra, até o rio Piolho, onde foram capturados negros e índios, levados para a cidade de Vila Bela.

Price (1972) registrou um relato de um velho Kithaulhu no qual ele conta que seus antepassados mantinham relações belicosas com um povo que tinha o cabelo crespo e vivia na mata. Este informante indicou-lhe, ainda, os sítios onde se encontram os restos da cerâmica produzida por este povo, atestando a existência de quilombos na região.

No final do século XVIII, as minas da chapada de São Francisco Xavier estavam se esgotando e muitas cidades que surgiram nesta região foram abandonadas. Há registros que relatam, neste período, ataques empreendidos pelos Cabixi às cidades e povoados da região. Os índios assim denominados ameaçavam os trabalhadores que se dedicavam à extração da poaia, atividade que se iniciou nesta região em 1854.

Os ataque dos índios à população de Vila Bela perduraram até o início do século XX, quando a expedição chefiada por Rondon entrou no território ocupado pelos Nambiquara.

Comissão Rondon
Em 1907, a Comissão Rondon inicia a primeira expedição à região do vale do Juruena para estabelecer o trajeto da linha telegráfica que ligaria o Mato Grosso ao Amazonas.

Quando a Comissão Rondon entrou no território Nambiquara, esses índios já estavam em contato com seringueiros, com os quais mantinham guerras freqüentes. Nesta época, os Nambiquara já usavam machados de ferro, adquiridos dos seringueiros. Os ataques empreendidos pelos Nambiquara contra os funcionários dos postos telegráficos eram resultado da provável associação que os índios faziam entre os trabalhadores da linha e os seringueiros que costumavam matá-los e roubar-lhes as mulheres.

Embora os Nambiquara já tivessem contatos esporádicos com os seringueiros e com os ex-escravos que habitavam os quilombos da região, foi a partir do início do século XX, com a criação do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), dirigido por Rondon, que foram estabelecidos contatos pacíficos com esses índios.

A chegada dos missionários
As linhas telegráficas também abriram caminho para a penetração de missionários no território Nambiquara. Price (1972) relata que, em 1924, um casal de missionários da Inland South American Missionary Union, uma organização protestante com sede nos Estados Unidos, se estabeleceu próximo ao Posto Telegráfico de Juruena.

Pouco tempo antes de sua chegada, seis empregados da linha telegráfica haviam sido mortos pelos Nambiquara, em uma possível vingança pela morte de um índio que fora
atingido por tiros de espingarda disparados pelo inspetor do Posto. O casal deixou o Posto em 1927 e retornou com o filho pequeno em 1929, quando foi atacado pelos Wakalitesú após ter medicado um índio que acabou morrendo. Apenas a mulher sobreviveu ao ataque e retornou aos Estados Unidos, onde se dedicou a arrecadar fundos para dar continuidade à missão.

Em 1936, a mesma organização missionária se re-estabeleceu no Posto telegráfico de Campos Novos, onde permaneceu até 1948. Em 1957, foi construído um Posto ocupado por missionários no rio Pardo, que foi transferido para a aldeia Camararé, no vale do Juruena, em 1961.

Em 1950, o vale do Guaporé também já contava com a presença de um missionário da organização conhecida como New Tribes Mission que, no entanto, foi morto pelos Nambiquara pouco tempo depois de se estabelecer na região.

Em 1959 e 1960, missionários da Missão Cristã Brasileira começaram a fazer contato com os Nambiquara do Vale do Sararé. Nesta mesma época, missionários de outra organização, denominada Wycliffe Bible Translators, ou Summer Institute of Linguistics (SIL), começaram a atuar com os grupos Nambiquara. Menno Kroeker e Ivan Lowe instalaram-se na aldeia de Serra Azul, iniciando os estudos da língua Nambiquara do sul. David Meech e Peter Weisenberger, em 1962, começaram a trabalhar com os Mamaindê e foram sucedidos por Clifford Barnard e, em seguida, por Peter Kingston que deu início aos estudos da língua Mamaindê (Nambiquara do norte). Estes foram os primeiros estudos sistemáticos das línguas Nambiquara.

Desde 1930, missionários católicos já atuavam com os Nambiquara do vale do Juruena na Missão de Utiariti, onde mantinham uma escola destinada à alfabetização e à catequização dos índios da região (Pareci, Nambiquara, Iranxe Manoki).

Ao mencionar a presença de missionários entre os grupos Nambiquara, Price (1972) faz a seguinte afirmação: “apesar da pesada evangelização, nunca conheci um Nambiquara cristão”.

Os Mamaindê não tiveram contatos permanentes com missionários católicos, e sim com missionários protestantes do SIL que, desde a década de 1960, estão presentes na aldeia, embora de modo mais esporádico a partir da década de 1990. Contudo, nunca ouvi um Mamaindê se definir como “crente”. Eles conhecem a bíblia e parte dela foi traduzida pelos missionários para a língua Mamaindê. Em algumas situações, principalmente quando respondiam às minhas perguntas sobre os espíritos da floresta, usavam o termo “Satanás” para designá-los.

Alguns jovens são incentivados pelos missionários a deixar a aldeia para estudar na escola mantida pela missão situada na Chapada dos Guimarães, perto de Cuiabá (MT). Lá eles são alfabetizados em português e fazem cursos para se tornar pastores e realizar cultos em suas próprias aldeias. No entanto, ao menos durante o período em que eu estive com os Mamaindê, nunca vi nenhum desses jovens realizar cultos ou falar da bíblia na aldeia. Ao me relatarem suas experiências na escola, eles enfatizavam o que haviam aprendido a respeito do modo de vida dos brancos.


No tempo do Serviço de Proteção aos Índios
Em 1919, foi criado um Posto Indígena em Pontes de Lacerda (MT) para atrair e pacificar os Nambiquara do vale do Sararé. Este Posto foi transferido, em 1921, para perto do rio Sararé, mas nunca conseguiu estabelecer contato com os Nambiquara dessa região.

Em 1925, estabeleceu-se um Posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) no córrego Urutau, perto do rio Juina, que atraiu muitos índios. Com a diminuição da verba federal destinada ao SPI, o Posto foi, aos poucos, sendo abandonado. Em 1924, este Posto foi transferido para o córrego Espirro, na cabeceira do rio Doze de Outubro, próximo à cidade de Vilhena. O funcionário Afonso França foi nomeado chefe deste Posto, que passou a se chamar Posto Pyreneus de Souza.

França produziu inúmeros relatórios sobre as suas atividades e nestes se queixava da dificuldade de manter os Nambiquara aldeados por períodos prolongados. Segundo ele, os índios permaneciam no Posto apenas o tempo suficiente para adquirir os produtos desejados e depois retornavam às suas aldeias.

Na década de 1940, com a Segunda Guerra Mundial, intensifica-se a extração da borracha em toda a região amazônica e neste período o Posto Pyreneus de Souza tornou-se um posto de comercialização da seringa extraída com base na mão-de-obra indígena. Obtive relatos de que, nesta época, os Sabanê que habitavam no Posto forma submetidos ao trabalho forçado. Ao que tudo indica, a extração da seringa não afetou tanto a região do Vale do Guaporé abaixo do rio Piolho.

No período que vai de 1940 a 1970 há registros de várias epidemias que atingiram os grupos Nambiquara. A taxa de mortalidade nas aldeias que não mantinham contato com os Postos do SPI não pode ser estimada. Os grupos conhecidos como Wakalitesú e Alakatesú, situados no vale do Juruena, foram os mais afetados pelas epidemias decorrentes do contato, pois suas aldeias estavam na rota da linha telegráfica. Já os grupos que habitavam o sudoeste do território Nambiquara, no Vale do Guaporé, parecem não ter sido tão afetados pelas epidemias neste período, pois não estabeleceram contatos freqüentes com os brancos, preferindo permanecer em locais mais afastados.

Na década de 1950, o governo federal incentivou os empreendimentos agro-pastoris na região habitada pelos Nambiquara, como parte de um projeto desenvolvimentista. Em 1956, a Gleba Continental ocupou o território entre os rios Camararé e Juína, mas o empreendimento não deu certo e a região foi abandonada em 1962. Neste período, inicia-se a construção da estrada que liga Cuiabá (MT) a Porto Velho (RO) (hoje designada “BR 364”), cortando ao meio o território Nambiquara.

No tempo da Funai
Em outubro de 1968, o presidente Costa e Silva cria a Reserva Nambiquara na região delimitada pelos rios Juína e Camararé. A região demarcada, habitada tradicionalmente por apenas 1/6 dos grupos Nambiquara, era composta em quase sua totalidade por um solo extremamente pobre e árido. O projeto do governo federal tinha como objetivo transferir todos os grupos Nambiquara para esta única reserva, liberando o restante da região a empreendimentos agro-pastoris.

Logo após a demarcação da Reserva Nambiquara, a recém-criada Funai iniciou a emissão de Certidões Negativas, atestando que não havia índios na área do Vale do Guaporé. De acordo com Costa (2002), um relatório do Departamento de Terras Minas e Colonização mostra que, em 1955, as terras do Mato Grosso encontravam-se loteadas entre 22 companhias, cada uma delas recebendo, no mínimo, duzentos mil hectares.

No final da década de 1960, as terras do Vale do Guaporé, região com o solo mais fértil de todo território Nambiquara, estavam sendo vendidas a empresas agro-pastoris que foram beneficiadas pelos recursos federais da Sudan (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia).

Em 1973, em uma tentativa de minimizar os conflitos entre os fazendeiros e os Nambiquara, uma faixa de terra entre o rio Camararé e o rio Doze de outubro foi adicionada à Reserva Nambiquara. No entanto, pouco tempo depois, parte dessas terras foram reocupadas pelos fazendeiros.

Os grupos mais atingidos pela ocupação das empresas agro-pastoris foram os grupos do Vale do Guaporé que não tiveram suas terras demarcadas e sofreram inúmeras tentativas de transferência por parte da Funai para a Reserva Indígena Nambiquara e, depois, para uma área no sul do Vale do Guaporé. Todas as tentativas foram frustradas e esses grupos acabavam sempre retornando ao seu território original que, no entanto, já estava ocupado por fazendeiros que desmataram grande parte da floresta para a criação de pastos.

A Funai passou, então, a adotar outra estratégia e contratou funcionários para delimitar pequenas “ilhas” de Reserva Indígena e nelas fixar os diferentes grupos locais que ocupavam a região do Vale do Guaporé. Em 1979, quatro dessas pequenas Reservas foram criadas, sendo que duas delas tiveram o seu tamanho original reduzido por causa das pressões exercidas pelos fazendeiros locais. Alguns grupos, no entanto, não tiveram sequer pequenas partes de seu território demarcadas.

Posteriormente, entre os anos de 1980 e 1990, pequenas áreas de valor significativo para os Nambiquara foram demarcadas: a Terra Indígena Lagoa dos Brincos, onde os Mamaindê e os Negarotê coletam as conchas destinadas à confecção dos brincos usados por eles; a TI Pequizal, criada com o objetivo de proteger o fruto do pequi, base da alimentação dos Alantesu (etnônimo traduzido como “povo do pequi”); e TI Taihãntesu, local onde os Wasusu situam as “cavernas sagradas”, morada das almas dos mortos.

Na década de 1980, fundos do Banco Mundial financiaram o Projeto Polonoroeste que visava à construção de uma estrada ligando o município de Pontes de Lacerda à rodovia federal (BR 364) que liga Cuiabá a Porto Velho. A estrada cortava o Vale do Guaporé, passando pelo meio da região habitada por quatro grupos Nambiquara, que ainda não haviam tido as suas terras demarcadas, e pelas proximidades das pequenas áreas demarcadas para outros três grupos.

Com a abertura da estrada, imigrantes de diversas partes do Brasil entraram na região, estabelecendo fazendas. Neste período, iniciou-se também a exploração de madeira no território Nambiquara. A região do vale do Sararé foi novamente ocupada por garimpeiros. Em 1992, o número de garimpeiros na TI Sararé chegou a 8.000 (Costa, 2002).

Atualmente, o extenso território que fora tradicionalmente ocupado por cerca de 30 grupos Nambiquara, alguns deles já extintos, está dividido em nove Terras Indígenas não contínuas: Vale do Guaporé; Pirineus de Souza; Nambiquara; Lagoa dos Brincos; Taihãntesu; Pequizal; Sararé; Tirecatinga e Tubarão-Latundê. Esta última localiza-se no estado de Rondônia e é habitada por índios Aikanã e por um grupo Nambiquara denominado Latundê.

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/nambikwara/1682
foto https://picasaweb.google.com/lh/photo/MO3xTqYhn11eEG6DttVoNg

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