Essas "medidas" diziam respeito à implantação de uma guerra ofensiva contra esses índios, já que os mesmos tinham "invadido" diversas partes "desta capitania", especialmente próximo as margens do rio Doce. Nessas áreas, os índios estariam "promovendo a destruição de fazendas", obrigando os "proprietários" a abandoná-las, além de praticarem antropofagia com os índios mansos e portugueses.
“Carta Régia para o Governador e Capitão General de Minas Gerais.
Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, do Meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais, Amigo:
Eu o Príncipe Regente vos envio muito saudar. Sendo-me presentes as graves queixas, que da capitania de Minas Gerais tem subido à Minha Real Presença sobre as invasões(?) que diariamente estão praticando os índios Botecudos antropófagos em diversas e muito distantes partes da mesma Capitania, particularmente sobre as margens do rio Doce, e Rios que no mesmo deságuam, e onde não só devastam todas as Fazendas sitas naquelas vizinhanças, e tem forçado muitos proprietários (?) a abandoná-las, com grave prejuízo seu (?), e da Minha Real Coroa; mas passam a praticar as mais horríveis e atrozes cenas da mais bárbara antropofagia, ora assassinando os portugueses, e os índios mansos, por meio de feridas, de que sorvem depois o sangue, ora dilacerando os corpos, e comendo os seus restos; tendo-se verificado na Minha Real Presença a inutilidade de todos os meios humanos, pelos quais tenho mandado que se tente a sua civilização, e o reduzí-los e aldear-se, e a gozarem dos bens permanentes de uma sociedade pacifica, e doce, debaixo das justas e humanas Leis, que regem os Meus Povos; e até havendo-se demonstrado quão pouco útil era o sistema de Guerra defensivo, que contra eles tenho mandado seguir, visto que os pontos de defesa em uma tão grande, e extensa linha, não podiam bastar a cobrir o país: Sou servido por estes, e outros justos motivos, que ora fazem suspender os efeitos de Humanidade, que com eles tinha mandado praticar, Ordenar-vos em primeiro lugar: que desde o momento em que receberdes esta Minha Carta Régia deveis considerar como principiada contra estes Índios Antropófagos uma Guerra ofensiva, que continuareis sempre em todos os anos nas estações secas, e que não terá fim senão quando tiveres a felicidade de vos senhorear das suas habitações (?), e de os capacitar da superioridade das Minhas Reais Armas, de maneira tal, que movidos do justo terror das mesmas, peçam a paz, e sujeitando-se ao doce jugo da Lei, e prometendo viver em sociedade, possam vir a ser Vassalos úteis, como já o são as imensas variedades de índios, que nestes Meus(?) vastos Estados do Brasil se acham aldeados, e gozam da felicidade(?), que é conseqüência necessária do Estado social (...) Em terceiro lugar: Ordeno-vos, que façais distribuir em seis Distritos, ou partes, todo o terreno infestado pelos Índios Botecudos, nomeando seis comandantes destes terrenos, à quem ficará encarregada, pela maneira que lhes parecer mais profícua, a Guerra ofensiva, que convém fazer aos Índios Botecudos, e estes Comandantes, que terão as patentes, e soldos de Alferes agregados ao Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, que logo lhes mandareis passar com vencimento de soldo dessa nomeação, serão por agora, Antonio Rodrigues Taborda, já Alferes, João do Monte da Fonseca, José Caetano da Fonseca, Lizardo José da Fonseca, Januario Vieira Braga, Arruda, morador na Pomba, e se denominarão Comandantes da primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sexta divisão do Rio Doce. A estes Comandantes ficará livre o poderem escolher os soldados, que julgarem próprios para esta qualidade de duro, e áspero serviço, e em número suficiente para formarem diversas Bandeiras, com que ajam constantemente todos os anos na estação seca de entrarem nos matos, ajudando-se reciprocamente, não só as Bandeiras de cada Comandante, mas todos os seis comandantes com as suas respectivas forças, e consertando entre si o Plano mais profícuo para a total redução de uma semelhante, e atroz raça Antropófaga: Os mesmos Comandantes serão responsáveis pelas funestas conseqüências das invasões dos Índios Botecudos nos sítios confiados a sua guarda, logo que contra ele se prove omissão, ou descuido. Que sejam considerados como Prisioneiros de Guerra todos os Índios Botecudos, que se tomarem com as armas na mão em qualquer ataque, e que sejam entregues para o serviço do respectivo Comandante por dez anos, e todo o mais tempo enquanto durar a sua ferocidade, podendo ele empregá-los em seu serviço particular, durante esse tempo, e conserva-los com a devida segurança, mesmo em ferros, enquanto não derem provas do abandono de sua atrocidade, e antropofagia. Em quarto lugar: Ordeno-vos, que a estes comandantes se lhes confira anualmente um aumento de soldo proporcional ao bom serviço que fizerem, regulado este pelo princípio que terá mais meio soldo aquele Comandante, que no decurso de um ano mostrar, não somente, que no seu distrito não houve invasão alguma de índios Botecudos, nem de outros quaisquer índios bravos, de que resultasse morte de portugueses, ou destruição de suas(?) plantações; mas que aprisionou, e destruiu no mesmo tempo maior número do que qualquer outro comandante; conferindo-se aos demais um aumento de soldo proporcional ao serviço que fizeram, servindo de base para máxima recompensa, o aumento do meio soldo. Em quinto lugar: Ordeno-vos que em cada três meses convoqueis uma Junta, que será presidida por vós, e composta do coronel do Regimento de Linha, do coronel Inspetor dos destacamentos da capitania, do tenente coronel, do Major, do ouvidor da comarca na qualidade de auditor do Regimento, e do escrivão Deputado da Junta da Fazenda, na qual fareis conhecer do resultado de tão importante serviço, e me darás Conta pela Secretaria de Estado de Guerra, e Negócios Estrangeiros de tudo o que tiver acontecido, e for concernente à este objeto, para que se consiga a redução, e civilização dos índios Botocudos, se possível for, e das outras raças de Índios, que muito vos recomendo, podendo também a Junta propor-me tudo o que julgar conveniente para tão saudáveis, e grandes fins, particularmente tudo o que tocar a pacificação, civilização, e aldeação dos Índios, declarando-vos também que por este trabalho os membros da junta não terão paga, ou vencimento algum, reservando-Me a dar-lhe aquelas demonstrações do Meu Real Agrado, e Generosidade, de que os seus serviços demonstrados pelas suas contas, e resultado favorável para a Capitania os fizerem dignos.
Propondo-me igualmente por motivo destas saudáveis Providências contra os Índios Botocudos, preparar os meios convenientes para se estabelecer para o futuro a Navegação do Rio Doce, que fará a felicidade dessa capitania, e desejando igualmente procurar, com a maior economia da minha real Fazenda, meios para tão saudável empresa, assim como favorecer os que quiserem ir povoar aqueles preciosos terrenos auríferos, abandonados hoje pelo susto que causam os Índios Botocudos (...) Dada no Palácio do Rio de janeiro[8] em treze de Maio de mil oitocentos e oito. Príncipe com Guarda. Para Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello. Joze Joaquim da Silva Freitas.
[1] Trata-se de d. João VI (1767-1826), segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, que se tornou herdeiro da Coroa com a morte do primogênito José em 1788. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada louca. Foi sob o governo do então príncipe regente d. João, que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão francesa em Portugal, a família real e corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808.
Conjunto documental: Junta da Real Fazenda, registro de avisos e ofícios, portarias e editais do vice-rei, provisões e cartas régias, requerimentos, etc.
Notação: Códice 206
Datas – limite: 1801-1808
Título do fundo: Junta da Real Fazenda da capitania do Rio de Janeiro
Código do fundo: 4B
Argumento de pesquisa: índios, pacificação
Data do documento: 13 de maio de 1808
Local: Palácio do Rio de Janeiro
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