Os caingangues (ou ainda kaingang, kanhgág) são um povo indígena do Brasil meridional. Sua língua pertencente à família linguística jê, do tronco macro-jê. Sua cultura desenvolveu-se à sombra dos pinheirais (Araucaria brasiliensis). Há pelo menos dois séculos, sua extensão territorial compreende a zona entre o rio Tietê (São Paulo) e o rio Ijuí (norte do Rio Grande do Sul). No século XIX, seus domínios se estendiam para oeste, até San Pedro, na província argentina de Misiones.
Os primeiros contatos oficiais, amistosos e reconhecidos com comunidades caingangues pela sociedade portuguesa aconteceram nos campos de Guarapuava, no centro do Paraná, a partir de 1812 (cf. D'Angelis 1984:8 - 10). Na sequência, estabeleceram-se contatos (por conta, obviamente, da invasão e da ocupação do território indígena) com os caingangues das regiões sul-riograndenses de de Nonoai, em (1845), de Guarita, em (1848) e do nordeste do Rio Grande do Sul, em (1850), além das regiões paranaenses de Palmas, em (1839), do norte do Paraná, em (1859), do extremo oeste paranaense, em (1880) e assim sucessivamente. Os últimos grupos forçados às relações pacíficas com os brasileiros foram os caingangues paulistas, da região dos rios Feio e Aguapeí.
Desde os primeiros contatos, os caingangues foram alvo de ações catequéticas pela igreja Católica. De fato, ao tempo do império, isso era parte da política indigenista oficial. A expedição militar que ocupou Guarapuava contava com o capelão Francisco das Chagas Lima (que antes missionara os puri-coroados, em São Paulo) e que, desde o primeiro momento, buscou catequizar os caingangues. No Rio Grande do Sul, poucos anos após o estabelecimento dos primeiros aldeamentos dos caingangues, jesuítas liderados pelo padre Bernardo Parés atuaram na catequese da gente de Nonoai, de Guarita e de Votouro. No norte do Paraná, a partir das iniciativas mais permanentes de ocupação brasileira no vale do Tibagi, o governo provincial determinou a fundação de um aldeamento em São Jerônimo, com a catequese entregue a capuchinhos italianos (o mais conhecido deles, frei Timóteo de Castellnuovo). E foi um capuchinho italiano, frei Mansueto Barcatta de Val Floriana, no início do século XX, o responsável pelo primeiros trabalhos de fôlego sobre a língua caingangue: uma gramática e um vasto dicionário (Floriana 1918 e 1920). Antes dele, apenas se contam com vocabulários (alguns, de certa extensão e interesse).
Nos anos 1940, surgiram trabalhos mais acurados, ainda que menos volumosos, na linha da linguística histórico-comparativa, assinados por Mansur Guérios (1942 e 1945). Na sequência dele, merecem registro os estudos de Wanda Hanke, tanto do xoclengue (Hanke 1947) como do caingangue norte-paranaense (Hanke 1950).
No final dos anos 1950, instalou-se, na divisa da área indígena de Rio das Cobras, no sudoeste do Paraná, a missão e centro de pesquisa linguística do Summer Institute. A língua caingangue passou a ser estudada, ali, por Ursula Wiesemann (e, ao que parece, posteriormente, por Gloria Kindell). Em 1959, por exemplo, um primeiro estudo foi tornado público, em reunião da ABA, intitulado "Notas sobre o proto-caingangue": um estudo de quatro dialetos (cf. Wiesemann 1959). Durante os anos 1960, Wiesemann preparou material de ensino da língua caingangue para missionários (Wiesemann 1967) e, finalmente, estabeleceu uma sugestão de ortografia oficial e iniciou a produção de cartilhas para alfabetização em caingangue. Estabeleceu-se, então, um convênio envolvendo a Funai, o SIL e a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) e criou-se a primeira escola para formação de “monitores bilíngues” na área de Guarita (RS). Iniciou-se, assim, um dos primeiros programas de educação escolar indígena bilíngue no Brasil, mas numa perspectiva claramente transicional, em que a língua indígena não recebeu valorização. Ao contrário, serviu apenas de ponte para o ensino em português. Em contato permanente com as comunidades caingangues do oeste de Santa Catarina, norte do Rio Grande do Sul e sudoeste do Paraná desde 1977, o pesquisador que assina este texto avalia que a introdução desse tipo de ensino bilíngue acelerou um processo de abandono da língua pelas gerações caingangues mais jovens (cf. D'Angelis 2002a).
Atualmente, os caingangues ocupam cerca de trinta áreas reduzidas, distribuídas sobre seu antigo território, nos estados meridionais brasileiros de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com uma população aproximada de 29 mil pessoas.Os caingangues estão entre os cinco povos indígenas mais populosos no Brasil.
Na literatura internacional, "caingangues" tem designado o povo que, na literatura de língua portuguesa, é chamado xoclengue (que hoje se autodenominam laklãnõ). Os xoclengues foram descritos por Jules Henry (1941: “Jungle People: a Kaingáng tribe of the highlands of Brazil”), pesquisador que esteve entre eles no início da década de 1930, no leste de Santa Catarina.
Os caingangues ocuparam, historicamente, um vastíssimo território, não completamente contíguo, mais ou menos correspondendo à expansão maior das florestas de pinheirais, o que significa: vastas regiões do Paraná e Santa Catarina, a região do sul-sudoeste paulista, o planalto rio-grandense e parte de Misiones, na Argentina. Seus parentes próximos, os xoclengues, parecem ter preferido os campos entremeados dos pinheirais, mas também ocuparam regiões quase marginais à zona das araucárias. Os únicos grupos caingangues fora daquele ecossistema são os caingangues paulistas, cujo estabelecimento na região entre o Rio Tietê e o Rio do Peixe já foi apontado, por alguns autores, como posterior à do Paraná, e feita por grupos que transpuseram o Paranapanema.
Ocupando região tão ampla, em incontáveis grupos ou aldeias de população média em torno de 150 a 200 pessoas (se são válidos os dados que temos para meados do século XIX), embora às vezes "articulados"" por uma liderança regional, os caingangues seriam alvo de diferentes momentos de expansão das fronteiras econômicas brasileiras. Alguns grupos (poucos), caingangues e xoclengues, teriam sido convertidos por missões jesuítas no oeste do Paraná e no norte rio-grandense (primeiras décadas do século XVII), mas não por muito tempo. Depois desse período, apenas no final do século XVIII foram atingidos por frentes de exploração militar, na região de Guarapuava, onde, em 1812, se iniciariam os primeiros contatos permanentes de um grupo caingangue com uma comunidade portuguesa.
À mesma época, os territórios xoclengues dos campos de Lages eram alvo de ocupação e, também ali, moveu-se guerra aos índios. A economia pastoril, que levou à ocupação militar de Guarapuava, avançaria, no final da década de 1830, para a região dos Campos de Palmas e, pouco depois, o Campo-Erê, os Campos de São João e os Campos Novos; finalmente, a partir dos meados da década de 1840, para a região norte do Rio Grande do Sul (campos de Nonoai e, na seqüência, campos de Guarita e campos do Erexim). A região norte do Paraná foi ocupada, também militarmente, apenas na segunda metade do século XIX, e o oeste paulista, para o avanço dos cafezais, foi alvo da penetração da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil na primeira década do século XX, quando o recém-criado SPI foi responsável pela chamada “pacificação” dos caingangues. Ainda nos anos 1920, o SPI mantinha, no norte paranaense, um “posto de atração” para os caingangues ditos “arredios”.
O início do século XX assistiu à demarcação de boa parte das terras indígenas dos caingangues que, no entanto, rapidamente começaram a ser cobiçadas, invadidas, dilapidadas e griladas. No Paraná, o primeiro conflito aconteceu já nos anos 1920, obrigando a uma mudança em delimitações originalmente feitas pelo Estado, e também criando uma demanda judicial que terminou desfavorável aos índios no caso das terras que possuíam em São Jerônimo.
No final dos anos 1940, o governador Moysés Lupion, em acordo com burocratas do SPI, roubou diversas áreas indígenas.
Em Santa Catarina, os maiores esbulhos deram-se também nos anos 1940. Não por acaso, no Paraná e em Santa Catarina estiveram envolvidas terras ricas em pinheirais, no imediato pós-guerra—o que gerou um surto madeireiro e, igualmente, um surto de expansão agrícola. No Rio Grande do Sul, o próprio estado começou a tomar terras antes demarcadas aos índios, já nos anos 1940, mas principalmente nos anos 1960.
Essa história de esbulho é acompanhada pela ocupação, também, de toda a cercania das terras indígenas por imigrantes e descendentes de imigrantes, pequenos proprietários e fazendeiros. A presença cada vez mais maciça de brancos nas proximidades de suas terras e -– a partir das invasões e de arrendamentos promovidos pelo SPI -– dentro das próprias áreas foi fator importante de compulsão contra a permanência de tradições e práticas culturais indígenas, incluída a língua, além de casamentos interétnicos (o casamento com mulher índia, para os caboclos alijados de suas terras pelo empreendimento colonizador europeu, era garantia de acesso a esse bem de produção: a terra). No caso específico do Estado de São Paulo, além da depopulação violenta, verdadeiramente genocida, sofrida pelos caingangues (de algo em torno de 1200 na primeira década do século, eram menos de 200, já "aldeados" pelo governo antes do final da década seguinte), a partir dos anos 1940 suas áreas sofreram a introdução de indivíduos e famílias das mais diferentes etnias, por conta da política do SPI de fazer, naquelas áreas indígenas, algo como "colônias penais". Índios do nordeste, do leste, do Mato Grosso do Sul e do norte do Brasil eram para lá levados, e lá contraíam casamento. O resultado das uniões interétnicas foram famílias em que se usava sempre o português como lingua franca, e os filhos tornaram-se falantes nativos dessa língua.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kaingang
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