O xamanismo é um termo genericamente usado em referência a práticas etnomédicas, mágicas, religiosas (animista, primitiva) e filosóficas (metafísica), envolvendo cura, transe, supostas metamorfoses e contato direto entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais, dos mortos, etc.
A palavra xamã vem do russo, tungue saman corresponde à práticas dos povos não budistas das regiões asiáticas e árticas especialmente a Sibéria (região centro norte da Ásia). Apesar, como assinala Mircea Eliade da especificidade dessas práticas na região (em especial as técnicas do êxtase dos tungues, Iacutes, mongóis, turco-tártaros etc.), não existe, contudo origem histórica ou geográfica para o xamanismo como conhecido hoje, tampouco algum princípio unificador. Outros nomes para sua tradução seriam feiticeiros, médico-feiticeiros, magos, curandeiros e pajés.
Antropólogos discutem ainda na definição xamanismo a experiência biopsicossocial do transe e êxtase religioso, bem como as implicações sociais da definição do xamanismo como fato social. É considerado uma tradição equivalente à magia enquanto prática individualizada relacionada aos problemas e técnicas e ciência da sobrevivência cotidiana (agricultura, caça, medicina, etc.) ou ao fenômeno religioso, abstrato, coletivo, normatizador.
Xamã
O sacerdote do xamanismo é o xamã, que geralmente entra em transe durante rituais xamânicos, manifestando poderes incomuns, invocando espíritos, plantas etc., através de objetos rituais, do próprio corpo ou do corpo de assistentes e pacientes. A comunicação com estes aspectos sutis da vida pode se processar através de estados alterados de consciência. Estados esses alcançados através de batidas de tambor, danças e até ervas enteógenas.
As variações "culturais" são muitas mas, em geral, o xamã pode ser homem ou mulher, a depender da cultura, e muitas vezes há na história pessoal desse indivíduo um desafio, como uma doença física ou mental, que se configura como um chamado, uma vocação. Depois disto há uma longa preparação, um aprendizado sobre plantas medicinais e outros métodos de cura, e sobre técnicas para atingir o estado alterado de consciência e formas de se proteger contra o descontrole.
O xamã é tido como um profundo conhecedor da natureza humana, tanto na parte física quanto psíquica.
De acordo com Eliade (o.c.), entre os manchus e os tungues da Manchúria a tradição dos dons xamânicos costuma ser feita de avô para neto, pois o filho ocupa-se em prover as necessidades do pai, isso no caso dos amba saman (xamãs do clã). Os xamãs independentes seguem a sua própria vocação. O reconhecimento como xamã só pode ser feito pela comunidade inteira depois de uma prova iniciática. Ainda segundo esse autor das referências a distúrbios psicológicos (especialmente no processo de formação) o ideal iacuto de um xamã é: um homem sério, que sabe convencer os que estão à sua volta, não presunçoso nem colérico. Entre os kazak-quirguizes o baqça, guardião das tradições religiosas é também cantor, poeta, músico, adivinho, sacerdote e médico.
Talvez pela experiência do sofrimento antes da iniciação ou experiência de possessão o xamã é confundido com indivíduos portadores de distúrbio mental tipo epilepsia, histeria e psicose, Lévi-Strauss citando os estudos de Nadel e de Mauss na introdução à obra de Marcel Mauss afirma que
…existe uma relação entre os distúrbios patológicos e as condutas xamanísticas, mas que consiste menos numa assimilação das segundas aos primeiros do que na necessidade de definir os distúrbios patológicos em função das condutas xamanísticas… afirma ainda, baseado em estudos comparativos, que a freqüência das neuroses e psicoses parecem aumentar nas regiões sem xamanismo e que xamanismo pode desempenhar um duplo papel frente as disposições psicopáticas: explorando-as por um lado, mas, por outro canalizando-as e estabilizando-as.O xamanismo é constante em diversas manifestações indígenas brasileiras.
A palavra "pajé", de origem Tupi, se popularizou na literatura de língua portuguesa em referência ao xamã.
Seu estudo, descrições de caso e comparação, tem sido recomendado para facilitar a implementação de práticas de assistência à saúde culturalmente adequadas no Brasil a cerca de 4.000 índios pertencentes a 210 povos sob a responsabilidade da FUNASA - Fundação Nacional de Saúde desde agosto de 1999
Xamanismo ou Pajelança
Comunicação com os encantados e entidades ancestrais através de cânticos, danças e utilização de instrumentos musicais (maracá, zunidores) para captura e afastamento de espíritos malignos tipo mamaés, anhangás.
Há também a utilização do jejum, restrições alimentares, reclusão do doente, além de uma série de práticas terapêuticas que incluem: plantas psicoativas, aplicação de calor e defumação, massagens, fricções, extração da doença por sucção/ vômito, escarificação no tórax e locais inflamados com bico, dentes de animais ou fragmentos de cristais
No Brasil rural e urbano, apesar da tradição multi-étnica dos ameríndios, observa-se a presença dessas práticas médicas-religiosas em comunhão com rituais católicos e espiritualistas de origem africana. Esse xamanismo é conhecido em algumas regiões como pajelança cabocla, culto aos encantados, toré, catimbó, candomblé de caboclo, em rituais de umbanda, culto a Jurema sagrada.
Atualmente no Brasil existem várias vertentes de neo-xamanismo ou xamanismo urbano, entre estas linhas diversos grupos se reúnem para estudar e trocar conhecimentos sobre o tema.
Calcu
No folclore chileno e na mitologia mapuche, é um feiticeiro ou xamã, geralmente, mas não necessariamente, maléfico. Todavia, os bons xamãs são denominados machi, para diferenciá-los daqueles malignos. Ambos se originaram na tradição mapuche.
é um feiticeiro ou xamã que tem o poder de lidar com wekufe "espíritos ou criaturas malignas". O Nguruvilú é um tipo de wekufe. O calcu também tem como serviçais outras criaturas tais como o anchimallén ou o chonchón, o qual é a manifestação mágica dos calcus mais poderosos.
Entre os mapuches, o cargo de calcu é geralmente hereditário, embora possa ser assumido por um machi interessado em usar os poderes do mal para seu próprio lucro, ignorando as leis de admapu (as leis dos mapuches).
Machi
é o nome dado à pessoa que tem a função de autoridade religiosa, conselheira e protetora do povo mapuche. Nos dias de hoje, é proporcionalmente reduzido o número de homens que assumem a função de Machi, sendo o cargo quase sempre ocupado por uma mulher mapuche.
Sangoma
é um praticante da medicina das ervas, adivinhação e aconselhamento na tradição Nguni (Zulu, Xhosa, Ndebele e Swazi), sociedades da Africa do Sul.
A filosofia é baseada na crença nos espíritos ancestrais. Tanto homens quanto mulheres podem ser chamados pelos ancestrais e a conseqüencia da recusa ao chamado usualmente acredita-se que causem doenças físicas ou mentais.
Um aprendiz sangoma (ou twaza) ensinado por um outro sangoma, usualmente por um período de anos, normalmente executando serviço de humilhação na comunidade.
Às vezes na formação, e para a graduação, um sacrifício ritual de um animal é executado (normalmente um frango, uma cabra ou uma vaca). O derramamento deste sangue está destinado para selar a obrigação entre os antepassados e o sangoma.
Quesalid
foi o primeiro xamã das Primeiras Nações, que viveu na ilha de Vancouver, Canadá.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Xamanismo
Xamanismo
por Pedro de Niemeyer Cesarino (2009)"Xamanismo" é algo que não se reduz a uma só definição ou explicação. Religião, crença, ritual, sistema de pensamento, ontologia, configuração de mundo: tais são algumas das categorias polêmicas que surgem à mente quando se trata de fazer uma breve apresentação sobre o assunto. O termo, genérico e mal compreendido, é empregado para designar um sistema ritual dos mais antigos da humanidade, partilhado por povos que se estendem da Ásia até o extremo sul da América. "Xamã" parece derivar de çaman, palavra empregada pelos Evenks siberianos para designar os seus especialistas rituais. É análoga a "pajé", derivada por sua vez de termos das línguas tupi-guarani também utilizados na referência a tais especialistas. Cada uma das línguas ameríndias possui seus termos equivalentes, em qualquer parte dos três continentes.
O xamanismo representa, assim, uma base comum aos povos autóctones da Ásia e das Américas, já que este continente foi ocupado por sucessivas migrações provenientes do primeiro. Mais antigo, o xamanismo foi sobreposto por grandes religiões tais como o budismo, o confucionismo, o taoísmo, o cristianismo e o islamismo. Algo análogo ao que ocorre no Brasil, quando os xamanismos indígenas passam a se defrontar com o credo católico ou protestante. Esta é, aliás, uma boa maneira para se compreender um dos traços essenciais do fenômeno: o xamanismo nem sempre desaparece no enfrentamento com grandes sistemas religiosos. Talvez porque não possa ser compreendido exatamente como uma "religião", ele acaba por se infiltrar, por subverter ou por sobreviver às tentativas de conversão que, no Brasil por exemplo, são realizadas desde a invasão européia.
Tratamos, afinal, de uma certa organização ou configuração de mundo que não possui um dogma estabelecido, um conjunto de doutrinas ou alguma escritura sagrada, uma liturgia fixa, um corpo de sacerdotes organizado em torno do Estado e, mais importante, uma fé em alguma divindade única. Difícil, portanto, definir o xamanismo como uma crença. Tais ausências são especialmente válidas para os povos indígenas das terras baixas da América do Sul, ou seja, para aqueles que não viveram sob o domínio de organizações estatais, tais como o império Inca. A mediação exercida pelos xamãs amazônicos tem mais a ver com uma certa diplomacia, uma forma de traduzir e de conectar os humanos viventes à multidão de espíritos, de almas de mortos e de animais que constituem as cosmologias indígenas. Nestas, não há exatamente deuses que encarnam ou que detém poderes sobre fenômenos naturais, para os quais são erguidos templos e oferecidos sacrifícios (como no caso dos Aztecas ou dos Mayas). As entidades com as quais os xamãs indígenas se relacionam são de outra ordem. Ao invés de despachar uma vítima sacrificial como intermediária entre deuses e humanos, os xamãs vão em pessoa encontrar os espíritos e demais sujeitos que habitam os seus mundos.
Xamanismo sem xamãs
O xamanismo, aliás, não se concentra tanto em cargos definidos, tal como no caso dos sacerdotes, mas sim em processos de transformação e de transporte para as moradas destas entidades outras. Não por acaso, algumas sociedades indígenas, tais como os Parakanã do Xingu, possuem um xamanismo sem xamãs. Na ausência de um especialista ritual determinado, são as pessoas comuns que, em sonho, encontram espíritos e trazem deles os cantos que serão executados mais tarde na aldeia, quando o sonhador já estiver desperto. É como se todos fossem de alguma forma um pouco pajés e pudessem, ao seu modo, estabelecer contato com a multidão de entidades invisíveis. O surgimento súbito de um xamã é também algo possível: em um momento de crise, em geral caracterizado por uma grave doença, um sujeito pode começar a estabelecer contato com "pessoas outras" que renovam seu corpo, trocam seu sangue, introduzem elementos mágicos em sua carne, ensinam-lhe cantos. Diz-se então que a pessoa "empajezou", transformou-se em uma pessoa outra. Agora será dotada de "um outro olho", capaz de enxergar o que é invisível às pessoas comuns (ao menos em seu estado desperto).Todos esses fenômenos estão relacionados a uma composição básica da pessoa nos mundos indígenas. Há sempre uma divisão entre o corpo e ao menos duas almas ou duplos – uma que se transformará em fantasma ou espectro após a morte, outra que terá um destino especial, celeste em muitos casos. O corpo, porém, não é um feixe fisiológico tal como o concebido pelos médicos ocidentais, mas uma espécie de invólucro, de envelope, carcaça, pele ou roupa que abriga as almas de aparência humana. Em estados liminares tais como sonhos, doenças, ou ingestão de substâncias psicoativas, a alma sai de seu corpo/roupa e perambula por aí. Vai encontrar outras aldeias, espíritos, homens e mulheres que os olhos "do corpo" não conseguem enxergar. É nesse ponto que mito e xamanismo se relacionam.
O que é um mito?
Em uma entrevista, fizeram a Claude Lévi-Strauss a seguinte pergunta: "O que é um mito?". E o antropólogo assim respondeu: "Se você perguntasse a um índio americano, é muito provável que ele respondesse: é uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não sedistinguiam.
Esta definição me parece muito profunda"1. As narrativas míticas ameríndias de fato giram em torno deste tema: houve um tempo em que a imagem geral do cosmos era uma imagem "humana", todas as espécies partilhavam uma forma humana genérica, até que algum evento de ruptura interrompeu tal estado primeiro, instaurando os limites, as diferenças e o problema da invisibilidade. Daí em diante, os animais, frequentemente por conta de algum erro que cometeram nos tempos míticos, ganham corpos/roupas de onça, anta, porco do mato ou de outros bichos, mas continuam com a mesma alma humana que sempre possuíram. Os humanos, por sua vez, são os únicos que mantém o seu corpo à semelhança desta alma genérica, ainda partilhada por todas as entidades que compõem isso que chamamos de "natureza". Veja o que diz o xamã yanomami Davi Kopenawa:
"No começo do tempo, quando nossos antepassados ainda não tinham se transformado em outros, éramos todos humanos: as araras, os tapires, os queixadas, eram todos humanos. Depois, esses antepassados animais se transformaram em caça. Para eles, porém, somos sempre os mesmos, somos animais também; somos a caça que mora em casas, ao passo que eles são os habitantes da floresta. Mas nós, os que ficamos, nós os comemos, e eles nos acham aterrorizantes, pois temos fome de sua carne"2.
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro formulou bem o problema através de um contraste interessante: os mundos indígenas são multinaturalistas, concebem uma multiplicidade de naturezas (os diferentes corpos dos bichos) e uma unidade da cultura (a cultura humana partilhada por todas as espécies). O mundo ocidental, por sua vez, é multiculturalista, imagina uma multiplicidade de culturas (chinesa, francesa etc.) e uma só natureza. Nesta concepção, animais são radicalmente distintos dos humanos por não possuírem, precisamente, uma alma pensante análoga à nossa e, portanto, uma cultura. Aproximam-se de nós por serem mamíferos, por partilharem de uma natureza comum, enfim. O pensamento indígena pressupõe o contrário: os bichos são próximos de nós porque para si mesmos se concebem como gente e possuem, portanto, uma cultura (malocas, redes, festas, pinturas corporais, cocares e adornos) semelhante a esta visível nas aldeias. Mas os corpos são outros.
E o xamanismo?
Ora, isso tudo é o xamanismo, essa especial constituição de realidade e de ética cosmológica. Os xamãs, diplomatas ou tradutores, como diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, são os responsáveis pelo arriscado trânsito de almas para além dos corpos. Um homem comum pode, na doença por exemplo, ver a gente-sucuri em suas casas (que sadio ele veria como o rio) e ser seduzido por uma bela mulher-sucuri. Ele passaria então a viver ali com a sua família sub-aquática sem se dar conta de que, na outra aldeia, seu corpo definha e preocupa a sua família "humana". Ele está doente porque incompleto ou vazio, pois a alma ou duplo está alhures com a nova mulher-sucuri. Um xamã deverá então trazê-lo de volta ao seu corpo e, assim, resolver este problema social espalhado pelo cosmos. Situações como esta acontecem com freqüência nas aldeias indígenas. O xamã ou pajé está, a rigor, acostumado com tais trânsitos. Ele já é outra pessoa, pode ter uma família com os humanos-outros, vive sempre entre duas referências, transita entre as gentes dos animais, os espíritos, as almas dos mortos. Costuma trazer de lá notícias através de seus cantos e, assim, integra o enorme contingente de entidades invisíveis ao cotidiano das aldeias. Não por acaso, alguns índios da Amazônia costumam dizer que o pajé "é como um rádio".Um dos grandes erros está em imaginar que o xamanismo é uma espécie de mística new age, ou então uma tradição fadada ao desaparecimento pelas transformações sociais e pela problemática idéia de aculturação. O xamanismo – esta rede ou malha de conexões entre princípios anímicos que vivem por detrás dos corpos visíveis – é algo por princípio criativo e voltado para a alteridade. Exímios negociadores das multiplicidades sociais presentes desde os tempos míticos, os pajés sabem traduzir em seus próprios termos as novidades de nosso mundo. Os Maxakali são um emblema disso. Confinados em uma terra de Minas Gerais agora repleta de capim, privados da caça e do acesso à paisagem na qual outrora viviam, não deixaram entretanto de possuir uma intensa e fascinante produção ritual. Antenados, fizeram em certa festa um telefone celular de argila, utilizado para a comunicação com os espíritos das lontras3.
Notas
1. Lévi-Strauss, Claude & Eribon, Didier. De perto e de longe – entrevista com Claude Lévi-Strauss. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988.
2. Kopenawa apud Viveiros de Castro, Eduardo. "A floresta de cristal". Cadernos de Campo 14/15, 1998, pp. 319-338.
3. Imagens do filme Hemex e Xunin, Terra Indígena do Pradinho, 2005 (acervo de Rosângela de Tugny).
2. Kopenawa apud Viveiros de Castro, Eduardo. "A floresta de cristal". Cadernos de Campo 14/15, 1998, pp. 319-338.
3. Imagens do filme Hemex e Xunin, Terra Indígena do Pradinho, 2005 (acervo de Rosângela de Tugny).